segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Barragem do Figueiredo: Indenizações em ritmo lento


Uma obra em ritmo acelerado, com urgência para sua instalação, para se tornar o quinto maior reservatório do Ceará e ser inaugurado ainda este ano, a Barragem do Figueiredo já é considerada mais um gargalo para as comunidades atingidas por barragens do Ceará. Comunidades de Iracema e Potiretama, no Vale do Jaguaribe, reclamam que, enquanto a obra é construída dia e noite, o processo de desapropriação, indenização e reassentamento corre em velocidade inversa. A maioria das famílias ainda não sabe para onde vai. O Dnocs diz que a obra só será concluída quando forem resolvidas todas essas pendências.
Os moradores de comunidades rurais de Iracema e Potiretama, que estão na área que será inundada pelo Açude Figueiredo, dizem não acreditar na principal afirmação dos diretores do Dnocs: não há inauguração sem indenização e, então, o reassentamento. Os futuros desapropriados fizeram protesto pelas ruas da cidade de Iracema no último fim de semana. Com faixas e cartazes em punho e distribuindo panfletos em passeata pelas ruas de Iracema, participaram do Fórum Microrregional Pela Vida no Semi-árido, que foi sediado neste município exatamente pela reivindicação da população junto à obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal.
A comissão dos atingidos pela barragem do Figueiredo representa cerca de 300 famílias das localidades de Lapa, em Potiretama; distrito de São José dos Famas, Assentamento Boa Esperança e localidade de Água Nova, em Iracema. Elas reclamam da falta de informações pelo Dnocs sobre o andamento do processo de desapropriação. A barragem do Figueiredo teve ordem de serviço assinada em fevereiro de 2008. A obra iniciou em abril do mesmo ano e, segundo a comissão, só foram concluídos até agora 42 processos de indenização.
Assim como a retirada das famílias de um lugar e o reassentamento em outro passa por diversos trâmites burocráticos, um questionamento é posto em debate pelos manifestantes: as condições sociais e ambientais do destino. Não basta a transferência, se não houver suporte à vida essencialmente rural das comunidades. A agricultora Maria Damiana diz que os direitos estão sendo desrespeitados.
"Existem os recursos para a desapropriação, e todos os trâmites estão sendo feitos, estamos pagando as desapropriações. A obra só será concluída quando todas essas questões estiverem resolvidas", garante Cristina Peleteiro, diretora de infra-estrutura do Dnocs, diretamente responsável nos processos de desapropriação. Ela afirma ainda que 70% dos proprietários já receberam os pagamentos, informação imediatamente contestada pela comissão dos atingidos pela barragem. Para a diretora, a falta de documento de título da terra e outras irregularidades estão entre os entraves na demora de alguns processos em andamento.
Cadastro, coleta de todas as informações sobre a terra do proprietário, definição de valores da indenização e pagamento são as etapas que o Dnocs diz estar vencendo desde que iniciaram as obras da barragem do Figueiredo, em Alto Santo, que está desapropriando 9.631 hectares de terra. Mas, de acordo com Cristina Peleteiro, a demora em muitas desapropriações se dá por falta de documentos por parte do proprietário, e em alguns casos o uso capião é regularizado para que a família possa se afirmar "dona" da terra e, em seguida, partir para a definição de valores indenizatórios e a desapropriação.
Pelo menos 56 famílias estão emperradas na etapa inicial do cadastro. Não receberam pagamento ainda porque não há documentação legal de posse da terra. As comunidades pedem urgência na presença do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), que está trabalhando nos processos de desapropriação e indenização.
O atingido Lurivam Miranda, do município de Iracema, denuncia que a ausência do Idace na região prejudica o diálogo, pois a carência financeira dificulta o transporte até Fortaleza para discutirem uma solução. "O Idace e o Dnocs precisariam estar sediados em Iracema, para atuar diretamente com as famílias e resolver essas pendências. Quem está querendo a barragem que venha negociar com quem está dentro do local", afirma Angerliana Sousa, do Fórum Pela Vida no Semi-Árido e da Cáritas Diocesana de Limoeiro.
Pólo piscicultor
Mais do que um reservatório de água, o Açude Figueiredo, em construção no município de Alto Santo, deverá ser pólo piscicultor na região jaguaribana. As expectativas é a produção de até 15 mil quilos de pescado por dia, gerando 750 empregos diretos e 3.500 indiretos.
A água também deverá abastecer cerca de oito mil hectares de perímetro irrigado, com potencial para produção de 480 toneladas da cultura de frutas como banana, mamão e melancia, gerando 16 mil empregos diretos e Mais 80 mil indiretos.
O projeto ambicioso não tem perspectivas diferentes do que é feito no Distrito Irrigado Tabuleiro de Russas, cuja segunda etapa em construção ainda enfrenta trâmites burocráticos junto a comunidades como Lagoa dos Cavalos, em Russas. Até hoje as famílias não sabem se serão removidas (a maioria não quer) ou não. "Nada está sendo feito sem conversar com as comunidades, e estamos dando o devido respeito a quem ocupa esses espaços", afirmou Cristina Peleteiro, sobre os problemas de reassentamentos da barragem do Figueiredo e do Tabuleiros de Russas, obras inseridas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e, espera-se, estarão "a todo vapor" em 2010.
Local indefinido
Porém, conforme denuncia Angerliana Sousa, não existe local para os novos assentamentos, ou pelo menos as famílias ainda não foram informados pelo Dnocs. "Existe a perspectiva de que as famílias sejam colocadas em agrovilas. O Dnocs fez reuniões para tratar deste assunto, mas não há um consenso ainda. As pessoas não estão contra a obra da barragem do Figueiredo, mas a favor de que providências para essas famílias sejam tomadas antes que o governo federal inaugure e deixe sérias pendências", afirmou.
O "exemplo vivo", segundo as famílias, é o caso de Jaguaribara. Mesmo com a cidade planejada, não há formas de manter as comunidades com suas atividades rurais. E o retrato é de pequenos assentamentos em formação e agricultores vendo a água passar em frente de casa sem poder utilizá-la.
do Diário do Nordeste

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